Carregamos demasiadas emoções por este mundo fora. Por vezes, transcrevê-las em palavras, é a única forma de entender a sua essência. A escrita ajuda a ver a sua origem e permite uma convivência mais pacífica. Quando nos penteamos vemos o corpo no espelho, quando escrevemos sobre emoções, é a alma que se reflete.
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A Felicidade da Solidão
A Solidão vagueava estrada fora triste e sem destino. Lembrava-se de ter sido feliz um dia, mas há muito tempo que esquecera essa alegre sensação. Sabia bem qual a origem da sua miséria. Simplesmente, não conseguia ser amada. Ao procurar a companhia de outros seres, apercebeu-se que não era possível encontrar quem a desejasse. Ninguém a queria por perto, pois a seu lado não havia abertura para mais relações. Ser amigo da Solidão, significava uma vida afastada de tudo. Não conseguia encontrar uma alma neste mundo que não a julgasse e a aceitasse sem receio.
Na madrugada do dia mais curto do ano, num amanhecer particularmente mágico, a Solidão decidiu procurar a ajuda da Fada Aurora. Esta criatura quase mitológica, apenas surgia com os primeiros raios de Sol e era conhecida por despertar novas oportunidades com os seus conselhos. Irradiada de luz, a Solidão confessou o enorme desejo de encontrar a felicidade perdida. Com um sorriso tranquilo, Aurora murmurou um feitiço e criou uma chave mágica envolta num enigma. “Apenas tens que ouvir as tuas emoções”, explicou a Fada, “saberás que está na hora de usar a chave quando sentires o coração palpitar com o suspense de quem está prestes a desvendar o segredo do que mais deseja”.
Encantada por uma motivação enérgica, a Solidão partiu na sua grande jornada. Sabia que com a magia de Aurora conseguiria ultrapassar aquela tristeza que a devorava lentamente. Tentou usar a chave em todas as portas, janelas, caixas, baús e afins. A magia de Aurora parecia não querer encaixar em qualquer fechadura física. De novo perdida na sua alma transtornada, a Solidão sentou-se à beira mar, derrotada. Foi então que fechou os olhos e soluçou. Chorou, chorou e chorou… Cansada de nadar num pranto sem fim, procurou ferozmente reviver as suas memórias mais felizes. Foi nesse momento que uma epifania quase lhe roubou um grito. Quanto mais recordava, mais claramente conseguia ver que o que havia em comum em todas essas memórias era terem ocorrido antes de ter procurado estar acompanhada. Antes de se preocupar com a consideração ou emoções daqueles que fugiam dela. Antes de esquecer qual o seu destino.
Mergulhada num êxtase de excitação, o coração palpitou. Com um gesto lento e certo, a Solidão levantou-se ao perceber que vivia o suspense da premonição da Fada Aurora. Desenhando no rosto o sorriso com que sonhara durante anos a fio, levou a chave ao coração, onde de imediato encaixou perfeitamente e abriu uma pequena porta entre duas palpitações. Ao libertar o amor que é capaz de oferecer, a Solidão finalmente entendeu que, como entidade suprema da sua essência, nunca poderia ser feliz na procura de companhia. O segredo para a felicidade estava na aceitação do seu eu primitivo e viver confiante de si mesma, tendo por base o abraço do amor próprio.
Novamente em paz, a Solidão voltou a vaguear, mas desta vez rodeada da felicidade que sabia ser capaz de manter somente por acreditar que apenas ser é o quanto basta.
02/04/2024