Carregamos demasiadas emoções por este mundo fora. Por vezes, transcrevê-las em palavras, é a única forma de entender a sua essência. A escrita ajuda a ver a sua origem e permite uma convivência mais pacífica. Quando nos penteamos vemos o corpo no espelho, quando escrevemos sobre emoções, é a alma que se reflete.
Blog escrita criativa
BARCO DE PAPEL
Na inquietude permanente que me assombra o inconsciente, perguntas a mais consomem-me o espírito. Cansada, procuro respostas. Cansada procuro caminhos. Cansada procuro a ténue paz que por vezes encontro. Navego calmamente num barco de papel, à deriva de um mar salgado com o horizonte preso num infinito longínquo. As incertezas pintam o branco que me carrega. Por vezes, quando existem demasiados desenhos, palavras e rabiscos, o peso da tinta ameaça afundar o meu coração frágil. A custo, vou procurar mais papel e reconstruo as bases. Assim me vou mantendo, à tona da água, a remar quando não há vento e a dormir tranquilamente quando as velas me guiam pela rota certa. O verdadeiro problema nasce quando cai uma tempestade. Por vezes começa com um trovão longínquo que agoira a queda da cascata das nuvens que está para vir. Nesses momentos tenho tempo para arranjar mecanismos para me proteger. No entanto, por vezes o agoiro pode ser imprevisível. As gotas grossas de água caem sobre mim, sobre o meu coração, sobre o papel que me transporta na minha navegação. De repente, a embarcação começa a derreter. Desesperada, grito por ajuda, apesar de saber que estou sozinha, neste eu demasiado profundo para ser alcançado por outro alguém. Atabalhoadamente seguro no mastro torto, fecho as velas desfeitas e tento tirar a água dos fundos com uma peneira. No pânico de cair ao mar, subo para o ponto mais alto da embarcação, olho em volta e sinto-me a desistir. Pronto, é agora. Fecho os olhos, penso nas minhas últimas palavras e preparo-me para soltar o meu último suspiro antes de perder a respiração no meio das ondas turbulentas, pretas, assustadoras. Os meus maiores medos. É o que elas representam, nesta tela escura. Será que é isso que verdadeiramente me assombra? O desaparecimento? O esquecimento? O vazio? O que de pior pode realmente acontecer? Será que é assim tão mau? Não ser lembrado… Aquele que não existe, poderá efetivamente sofrer? É neste ponto que consigo encontrar alguma tranquilidade no meio da tormenta. Aquele que não quer procurar, não sofre por não encontrar. Aquele que não se preocupa, não vê desfechos negativos. Aquele que não quer, não chora por não ter. Subitamente, um raio de luz consegue atravessar o céu de nuvens tenebrosas. Abro os olhos calmamente, qual criança a provar uma laranja doce pela primeira vez. A tormenta está a ficar mais calma. Empoleirada no mastro, sinto os pés a balouçar dentro de água. Está fria, mas não me importa. Cheira a sal, a praia, a uma terra por perto. Parece que, de repente, percebo que o que importa é navegar. Apenas isso. O destino da rota, só o tempo o dirá. Pego em mim, agarro numa folha de papel e construo um novo barco. Mas desta vez mais forte. E assim vou, tranquilamente de vento em popa, até à próxima tempestade.
6/12/2017