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Introspeção que Perturba

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          Às vezes pergunto-me. Dou por mim a divagar, penosamente. Na solidão da introspeção inconsequente, preocupações que me afligem vêm à tona. Fervem as emoções quando as trevas borbulham e levantam a tampa do tacho cuidadosamente fechado momentos atrás. Regra geral, quando me pergunto horas a fio, com tudo em pano de fundo, é porque não há solução evidente para o que me perturba. Digamos que aí o caldo está entornado. Suspiro de angústia e recosto-me na cadeira. Aparentemente calma, o furacão de pontos de interrogação dança perigosamente atrás dos olhos. Tento voltar a fechar a tampa do tacho, em vão. Quando tudo ferve e o coração perde o controlo dos seus batimentos, não há muito que possa fazer se não manter-me a perguntar, vezes e vezes sem conta. Como nos deixámos chegar a esta decadência? A esta sociedade desumana? Estarão todas as nossas vidas sustentadas por um fio? Como sair desta depressão coletiva? Quantos de nós estão efetivamente a fazer o que desejam? Quantos de nós insistem em pôr em risco a saúde física e mental em prol de números crescentes na tabela de excel da economia? Há dias assim. Este furacão que não pára. Experimento olhar em redor, para as outras pessoas, na tentativa de fugir de dentro da minha mente. Mas aquilo que observo, as expressões tensas, os sorrisos vazios, os gestos automáticos, apenas ajuda a aumentar perguntas nos ventos internos. Quantos de nós sabem efetivamente o que precisam para a alcançar a felicidade? O que significa ser-se feliz? Haveria forma de talhar um caminho diferente? Ou será irrealista pensar que é possível existir um mundo sem crueldade? Ou pior, será tudo isto, a vida que levamos, o reflexo no espelho da essência humana? Se assim o for, estamos tramados. A não ser que seja possível mudar a essência humana. Mas, para isso, temos que reconhecer que ela existe, caracterizá-la e trabalhar ativamente para a mudar. Mas será que estamos preparados para isso? Teremos sequer essa capacidade? Quanta coragem seria necessária para olharmos verdadeiramente para o nosso centro e aceitar o que vemos? Por vezes, penso que coletivamente, não somos muito diferentes de um adolescente instável que se corta para aliviar o desespero quando o sangue escorre. Andamos a pregar o amor próprio nas redes sociais, mas depois temos medo de mostrar o que somos na vida real. Gritamos que queremos liberdade, mas depois é eleito um partido fascista em Itália. Falamos que no mundo moderno não pode haver espaço para a violência, mas depois somos ameaçados com bombas nucleares e despedaçam-se homens, mulheres e crianças em todos os continentes. Às vezes parece-me que a nossa tendência para a autodestruição poderá ser a raiz do problema. Há décadas que o gelo está a derreter e as temperaturas não param de subir. Tudo bem calculado e até somos capazes de prever, com algum grau de certeza, quando é que a humanidade poderá acabar. No entanto, de forma a conseguir sobreviver o “agora”, as nossas mentes bloqueiam a hipótese aterradora de um possível futuro que nos parece sempre longínquo. Por vezes, pergunto-me o que posso fazer? Qual o meu papel? Que influência tenho efetivamente na minha vida? É aterrador quando a mente fica em branco na busca de respostas para questões tão urgentes. Estamos todos ligados nesta teia complexa que nos aprisiona, construída com a melhor das intenções. Mudamos uma peça e tudo em redor se compõe aos poucos. O que é difícil é contrariar a força da gravidade do tabuleiro.

          O furacão acaba por acalmar quando, depois de um dia inteiro de instrospeção involuntária e contínua, olho para o relógio e me lembro que deveria dormir para amanhã conseguir trabalhar. E assim, desta forma, acompanho as avestruzes da sociedade. Ao preocupar-me com o momento presente, enterro a cabeça na areia, as emoções param de ferver e volto a fechar a tampa do tacho. Faço os dez minutos de meditação, apago a luz e encosto a cabeça sobre a almofada a sorrir, embalada na ilusão de que amanhã é um novo dia.

         

04/10/2022

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