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Em Busca do Início de Tudo

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Parte I
Os Espinhos da Rosa

          Rosa subia a encosta a custo. O solo parecia cada vez mais íngreme e a vegetação adensava a cada passo. Há pelo menos quatro horas que não via a luz do Sol, apesar de passar pouco do meio-dia. As árvores altas com os ramos enleados não permitiam vislumbrar o céu azul que se escondia para lá da montanha. Sentia o sal das gotas de suor picarem nos olhos sempre que tocava nas pálpebras. As alças finas não lhe protegiam os braços dos arranhões da vegetação brava e a mala cheia com todos os seus pertences neste mundo parecia cada vez mais pesada. Apesar de tudo, de todas as dificuldades, Rosa sabia que caminhava na direção certa. Estava demasiado calor para continuar, tinha que descansar. A arfar, sentou-se numa pedra surpreendentemente macia. Pousou a arma e a mochila no chão, junto aos pés. Tirou as luvas sem dedos de couro e passou as mãos por água. Olhou para as calças rasgadas que lhe escondiam já a custo as pernas musculadas. Fechou os olhos numa breve meditação involuntária. O rosto sério da mãe apareceu-lhe nos pensamentos. “És demasiado forte para mulher”, dizia-lhe sempre que a via a correr nos trilhos da floresta com os restantes homens da aldeia, “chamei-te Rosa quando vi pela primeira vez o teu rosto delicado. Mas agora… agora da rosa apenas tens os espinhos”. Rosa soltou um riso dentro de um soluço e rapidamente limpou as duas lágrimas que lhe fugiram. As vizinhas ouviam com muito agrado estes comentários, pois julgavam que se tratavam de críticas. No entanto, Rosa nunca encarara aquelas palavras como um insulto. Apesar de não ter tido coragem de perguntar à mãe, Rosa desconfiava que, no meio daquele discurso, havia ali orgulho contido, comprovado pelo leve sorriso que deixava escapar antes de virar as costas. Gostava de conseguir voltar a tempo de lhe perguntar. Só esperava não ser demasiado tarde. Abriu os olhos e procurou por um pedaço de carne salgada e um pouco de pão duro. 

          Partira há sete dias. Sem saber se alguma vez voltaria a casa. Era uma missão quase impossível. Mas Rosa não conseguiria viver consigo própria se não tivesse seguido em frente. A mãe esperava-a em casa, gravemente doente. Nenhum dos curandeiros das aldeias mais ilustres do mundo dos homens conseguira ajudá-la. Segundo as mentes mais avançadas da medicina, a morte esperava-a dentro de poucos meses. Porém, uma história contada por um vendedor nómada chamado Tomás, que viajava frequentemente entre mundos, trouxe-lhe uma réstia de esperança. Rezava a lenda que no fim de todos os mundos, há um portal que permite a passagem para o Início de Tudo, um sítio intocável, onde a magia mais poderosa descansa, alheia ao que se passa no resto do Universo. Nos jardins do Início de Tudo, há uma árvore alimentada por um vasto lago de águas cristalinas. Nesse pequeno paraíso, reina a saúde da natureza intocada por qualquer ser. Segundo a lenda, qualquer amostra de água ou de plantas, contém um poder curativo inimaginável, capaz de ultrapassar qualquer doença ou demónio. O problema consistia em lá chegar. Segundo o nómada vendedor, apenas a trindade de força, sabedoria e bondade conseguiria unir o poder suficiente para chegar ao Início de Tudo. Rosa não entendia ao certo o que isso significava. Dos três, a única coisa que sabia ter com toda a certeza, era a força. Decidiu que ao longo do caminho encontraria as suas respostas. Ou morreria a tentar encontrá-las. Perguntou ao vendedor onde poderia encontrar um portal para outro mundo. Atraído pela intensidade da personalidade de Rosa e pela sua beleza invulgar, o nómada Tomás ofereceu-se para a acompanhar até ao único portal do mundo dos Homens que, segundo ele, os levaria até ao mundo dos Elfos. Lá, entre a gente de orelhas em bico, procurariam outros portais. Rosa olhou para as várias carroças cheias de mercadoria puxadas por burros desgastados e percebeu que nunca voltaria a casa a tempo de salvar a mãe se fosse tranquilamente pela estrada na companhia de Tomás. Desiludido, o vendedor entregou a Rosa uma cópia do seu mapa e indicou-lhe o caminho mais próximo, mas também o mais difícil. Sempre pelo meio da floresta, sem a entrada de uma brisa entre a vegetação. Rosa nem pensou duas vezes. Pegou na mochila maior que tinha, encheu-a com rações para dez dias, água, um cobertor, uma tenda, e algumas peças de roupa. Despediu-se da mãe com um beijo suave na testa e evitou cruzar o seu olhar choroso quando saiu do quarto.

          “O portal está a dez dias de caminho, sete se deres um bom avanço”, sussurrou para si própria as últimas palavras de Tomás, enquanto massajava a testa para mitigar a dor de cabeça. Dormira quatro horas por noite e apenas parava para comer. Era o sétimo dia e sabia que o pico da montanha não tardava. Cheia de determinação, levantou-se e voltou a pôr a mala às costas. Tal como suspeitava, passados dez minutos a caminhar, encontrou o final da primeira etapa da sua jornada. Uma luz prateada intensa ofuscava a alegria do céu azul e atravessou o olhar de Rosa quando afastou com o braço nu os últimos ramos do cume da montanha. Assombrada pelo medo e guiada pela coragem, fechou os olhos, susteve a respiração e deixou-se cair para o círculo de lava prateada.

20/04/2022

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