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FUI PASSEAR OS ÓCULOS DE SOL

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Vila Praia de Âncora

            Acordei devagar, com a noção de infinitude do tempo que apenas consigo alcançar em dias de férias. Com um sorriso nos lábios, espreguicei-me até sentir os músculos frouxos. Suspirei e mirei as horas. Já passava do meio-dia. Só de férias e de fim-de-semana é que sou capaz de acordar à hora de almoço e ainda me dar ao desplante de achar que tenho sono. Foi então que, subitamente, ouvi umas patinhas a roçarem a madeira do chão do meu quarto. Olhei para a porta e encarei o ar ternurento coberto de pelo que me fitava. Tentava comunicar comigo. Entendi rapidamente que tinha de me levantar e levar o pobre do cão à rua para que pudesse aliviar-se das suas necessidades. Vesti-me, calcei-me e, antes de sair, coloquei os óculos de sol e mirei-me no espelho. Caramba, eram mesmo bonitos. Arredondados, grandes, perfeitamente enquadrados na cara, azuis por cima e dourados por baixo. Com uma pontada de vaidade num pequeno pecado a acompanhar-me neste início de tarde perfeito, agarrei na trela, chamei o meu cão e fomos passear. Mal abri a porta do prédio, vi o mar do outro lado da estrada e senti um calor feroz, extremamente raro nestas bandas nortenhas. Sorri novamente. O dia prometia. A certo ponto, já podia voltar para casa. Mas o dia estava tão bom, o caminho junto ao mar chamava por mim… e tinha uns óculos escuros encantadores a emoldurar-me a cara já queimada do sol de alguns dias de praia. Seguindo este meu estranho rasgo de espontaneidade, continuei estrada fora, sempre a mirar o mar. Mais do que nunca, senti-me eu própria. A fim de apreciar o momento, sentei-me num banco, virado para a praia. Vi as pessoas a chegar, felizes, com sorrisos no rosto e cestas com o farnel e toalhas de banho por baixo do braço. Olhei para o meu cão, que, tal como eu, observava, extremamente calmo, o que o rodeava. Não havia pressa. Que coisa tão rara. Não ter que ir para algum sítio a correr, terminar uma tarefa apressadamente ou iniciar outra sem mais demoras. Tudo na vida acontece tão rapidamente, neste mundo moderno que se instalou. Perguntei-me como seriam os nossos dias se decidíssemos abrandar o ritmo para algo mais humanamente possível. Tal como nesta tarde maravilhosa de praia que se me afigurava. Apesar de ser uma raridade, apesar de a praia ter um espaço limitado, apesar de o vento se ir levantar duas ou três horas antes do lusco-fusco, as pessoas não estavam com pressa. Havia tempo a perder e todos sentíamos intrinsecamente que, mais importante do que aproveitar todos os momentos de Sol, era manter a calma que apenas conseguimos quando nos é dado a escolher o que fazer. Parece que, quando temos hipótese, agimos devagar, a um ritmo confortável, que nos permite respirar. Então, se quando nos é dado a escolher, fazemos tudo de maneira diferente e se isso apenas acontece durante um mês por ano, podemos realmente considerar-nos livres? Como seria o dia-a-dia, se não fossemos obrigados a ser super-heróis neste mundo dominado por barões apressados? Subitamente, o estômago gemeu. Estava com fome. Levantei-me, virei-me para o meu cão e perguntei: “vamos?”. Maggie lambeu as beiças e iniciou a caminhada a meu lado. Provavelmente também estava com fome. Ajeitei os óculos de sol enquanto voltava a pensar com os meus botões: “Têm que ser bem estimados, porque acho que nunca na vida vou passear uns óculos de sol tão bonitos como estes”. 

9/08/2015

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