Carregamos demasiadas emoções por este mundo fora. Por vezes, transcrevê-las em palavras, é a única forma de entender a sua essência. A escrita ajuda a ver a sua origem e permite uma convivência mais pacífica. Quando nos penteamos vemos o corpo no espelho, quando escrevemos sobre emoções, é a alma que se reflete.
Blog escrita criativa
MAGGIE
Sinto muito a tua falta. Às vezes, é tanto que doi. Aleija. Magoa ao respirar, ao esperar, ao chorar. Sinto falta das pequenas coisas. Da tua quietude, da sensação do teu pelo nas palmas das mãos, dos teus bigodes nas minhas bochechas antes de um beijo tímido. Foi uma luta estes últimos dois anos. Uma luta que sabíamos perdida à partida, mas cuja insistência e resiliência nos deu algo precioso: tempo. Meses, dias e horas de novas oportunidades de carinho, de chamar o teu nome, de sentir esse teu amor incondicional canino. Sempre soube que era um privilégio cuidar de ti. Foste sempre tão boa. Uma boa canita.
Era quase um jogo. Quando pensava na gestão da medicação paliativa, imaginava-me de capa e espada contra a figura negra de foice na mão. A tua gamela, era um caldeirão de medicação, com tudo aquilo que a medicina punha ao meu alcance para te proteger. E tu, sem noção do que se passava, não fazias ideia que cooperavas connosco sempre que comias toda a refeição sem cuspir um único comprimido. O dia a dia era gerido sem remorsos do passado, ou medo do futuro. Era o que era e fazia-se o melhor possível dadas as circunstâncias. E tu foste estoicamente feliz. Sempre te admirei por isso. Torta e “presa por cordelinhos”, levantavas-te todas as manhãs, teimando que havias de viver feliz pelo menos mais um dia. Nos últimos momentos, senti frustração durante uns minutos. “Não acredito que tinha que ser antes do Natal. Não podias ter passado só mais estas festas connosco?!”; “Como assim, agora? Não tínhamos combinado que era pelo menos até aos 15 anos?!”. Foram pensamentos negros, de criança birrenta, que desapareceram quando fitei os teus olhos meigos cheios de catarata pela última vez. Foi quando tinha que ser. E aprendi a viver em paz com isso.
Agora que partiste, fica um vazio. Um vazio grande, difícil de preencher. Já não temos que te ajudar a subir e a descer as escadas. Já não há preocupação com a medicação. Já não te vou dar o stick quando te deitas. Já não temos a tua cama enorme no meio da sala. Já não preciso de te ajudar a deitar com as pernas direitas. Já não temos… Este tempo vazio pesa na alma. E deixa uma marca. Tenho vivido os últimos dias tranquilamente triste. Sabendo que tiveste uma velhice sem sofrimento e a sorte que tenho por teres passado pela minha vida de uma forma tão intensa.
Boa sorte nesta tua última aventura, minha velhota! Aprende bem todas as lições desse além longínquo, para que me possas encontrar e orientar quando for a minha vez.
02/01/2025