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UM CRAVO NA CHUVA

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           Uma tela cinzenta, árvores despidas, sentimentos despojados. Ao caminhar, a minha pegada ficou marcada atrás de mim. Olhei para a frente. Nada. Nem uma indicação. Olhei para trás. O contorno do meu pé entre os grãos de areia fina mantinha-se. Sei o caminho que fiz, mas não faço ideia para onde tenho que ir. Encontrei uma pequena floresta. A luz branca do Sol fraco entre as nuvens densas que ameaçavam a vinda da chuva, atravessou os ramos nus e tocou-me nas olheiras pretas de cansaço. Senti uma pinga de água na nuca. Duas, três, quatro, dez, vinte. A chuva molhou o cabelo e empurrou-o contra o escalpe. Sinto frio. Tremo. Pouco me importa. As lágrimas frescas são mascaradas pela água da chuva e cabelo encharcado. Sentei-me no chão, derrotada, assustada, desesperada. O vento da tempestade apagou as pegadas. Neste momento nada sei, nem para onde vou, nem de onde vim. Abracei-me, encostando os joelhos contra o peito e as costas contra a madeira. Arregalei os olhos, as veias dilatadas, a conjuntiva inflamada de tantas insónias sofridas. Apesar de não ser capaz de andar, tinha que continuar a mexer-me. Não havia outra hipótese. A rastejar, os braços e joelhos enterraram-se na lama e apenas a força de vontade frágil que ainda permanecia perfurava um caminho com destino indefinido. A certo ponto, quando os tentáculos das medusas se entrelaçaram nas pernas, uma onda de pânico lúcido fez-me gritar para o ar em plenos pulmões: “Ajudem-me!”. A chuva, subitamente, parou. Os tentáculos desapareceram, deixando para trás queimaduras na minha pele. A lama começou a secar. Um cravo vermelho cresceu uns centímetros além. Aproximei-me de gatas, sentei-me perto da flor e admirei-a, serena. Uma mão amiga surgiu à minha frente. Levantei a cara e afastei o cabelo encaracolado seco de cima dos olhos. Um sinal de esperança. Com a sua ajuda, pus-me de pé e olhei o cenário em meu redor. Atrás de mim, via novamente as pegadas cravadas na areia cinzenta. À minha frente, um caminho de flores guiava a minha nova rota. Apoiada na mão que me levantou, endireitei as costas e mirei, ainda cansada, o caminho que teria de percorrer. Coloquei um braço em volta dos seus ombros fortes, inspirei fundo e, a coxear, dei os primeiros passos. Guiada por esta nova força, soube que dentro de poucos metros as pernas já teriam recuperado e conseguiria, uma vez mais, caminhar sozinha, de sorriso no rosto. Estava na hora de recuperar e voltar a correr.

12/05/2020

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